O ENTERRADO

Tarciso sempre teve dois temores vergonhosos, desses que a gente esconde até de si mesmo. O primeiro, banal aos olhos dos outros, era a careca — uma herança maldita que ele acreditava estar escrita no sangue da família. O segundo, mais profundo, era ser enterrado vivo. Desde menino acordava arrepiado com a sensação de madeira nos dedos e terra escorrendo pela boca.

Os anos passaram, e ele até achou que tinha vencido os dois pavores. Engano. Quando os fios começaram a cair, o desespero que dormia há décadas acordou faminto. E o velho amigo Almeidinha, sempre meio torto das ideias, decidiu ajudar do jeito que achou mais lógico: primeiro raspando-lhe a cabeça, depois propondo algo muito mais radical para “curar” o medo maior.

Entre sonhos sufocantes que pareciam mais lembranças do que pesadelos, a fronteira entre o real e o imaginado foi ficando estreita demais. No quintal debaixo do umbuzeiro, com chuva fina e nervos desfeitos, os dois cavaram o que deveria ser apenas um ritual simbólico. Mas quem garante que certas fronteiras podem mesmo ser simuladas? E que todo amigo sabe medir o peso da terra?A última coisa que se sabe com certeza é que a noite era pesada, o buraco era fundo, e o som da chuva confundia-se facilmente com o som de alguém batendo na madeira — ou tentando sair dela.Se o resto é verdade ou invenção… bem, cada morador de Monte Santo conta uma versão diferente. Mas todos evitam passar perto daquele umbuzeiro depois que o sol se esconde.