
Algumas histórias não pertencem ao tempo — pertencem ao lugar. E, em Lagoa das Pedras, há uma lenda que insiste em permanecer mesmo quando todo mundo decide esquecê-la. No alto da serra, uma pedra antiga guarda a memória de um acidente que ninguém entendeu e que nenhuma máquina conseguiu desfazer. Ali ficou presa a metade do corpo de dona Alaíde, e, com o tempo, o povo passou a evitar até pronunciar seu nome.
Mas certas presenças não dependem de lembrança para continuar existindo.
Rostos mudam, bares novos surgem, o povoado cresce… e, ainda assim, a pedra segue lá, vigiando quem sobe, quem passa, quem ousa colher o que nasce entre suas frestas. Mesmo meio século depois, há quem diga que o vento sopra mais frio naquele pedaço do mundo, como se algo ainda respirasse debaixo da rocha.
E quando o narrador retorna à cidade, já velho, encontra o lugar exatamente como era — silencioso, intacto, aguardando. Nada de aparições, nenhum arrepio, apenas o vestígio de água recente e flores que nunca deveriam brotar ali.
Só mais tarde, quando a noite abre suas portas, é que ele descobre que algumas histórias não ficam presas sob toneladas de quartzo. Apenas esperam ser tocadas de novo.