TEMPO E ESPAÇO

Há estradas que não levam a lugar algum — e, justamente por isso, levam a todos.
Numa noite de lua cheia, uma rota solitária perto de Serra Pintada passa a se comportar como se tivesse memória própria: o carro adormece, a paisagem se retrai, e algo surge da escuridão com a naturalidade de quem apenas continuou um movimento antigo.

O que vem depois se desfaz em fragmentos: um telefonema que não deveria existir, uma pousada em que o narrador não se lembra de ter entrado, uma distância que não poderia ter sido percorrida, um retorno que não devolve nada ao lugar.

A partir dali, cada despertar parece pertencer a um mapa diferente — uma rede de estradas, quartos e presenças que se repetem com pequenas variações, como se o tempo estivesse tentando ajustar a própria posição.E, no centro dessa estranheza, a sensação mais inquietante: em algum ponto dessa travessia, algo passou a segui-lo. Ou a replicá-lo.
E talvez nem sempre ele seja o primeiro a chegar.