A LEVEZA DO PESO


Mariana acredita estar dando um passo rumo ao futuro quando deixa sua pequena comunidade para viver com a família do pastor em Petrolina. O que encontra, porém, é um mundo confortável apenas na superfície: uma casa organizada demais, silenciosa demais, limpa demais — como se cada cômodo estivesse preparado não para acolher, mas para apagar.

Entre janelas enormes, cheiros artificiais e um quartinho sem janelas que parece existir fora do tempo, a menina de 16 anos tenta se equilibrar entre expectativas alheias e a sua própria fome de leitura, de mundo, de Clarice. É no livro — seu único refúgio — que Mariana encontra o ritmo de sua identidade. Mas até isso começa a se desfazer.

A escola noturna traz alívio, mas também estranhamentos: colegas que antes a recebiam agora parecem não vê-la; vozes familiares tornam-se distantes; e a cidade, sempre quente, passa a ter um frio que não combina com o sertão. Algo muda, silenciosamente, como se Mariana estivesse perdendo camadas de si a cada dia — primeiro as memórias, depois as sensações, por fim a própria percepção de que existe.

A casa do pastor, com sua rotina rígida e seus habitantes gentis demais, apruma-se como cenário de uma inquietude crescente. Nada ali é exatamente hostil. Nada ali é exatamente acolhedor. Tudo parece... errado, deslocado, ligeiramente fora da realidade — como um espelho que embaça sempre no mesmo ponto, mesmo quando ninguém respira diante dele.

E quando sua pele deixa de sentir a água, quando suas lembranças começam a se dissolver, quando o silêncio se torna maior que ela mesma, Mariana entende que o perigo nunca esteve nos cultos, nos afazeres ou nas pessoas.

O perigo mora no vazio — esse que cresce devagar, toma forma e ganha peso nas horas mais quietas da noite.

Em A Leveza do Peso, o terror não se apresenta com ruídos ou aparições. Ele se revela no desaparecimento lento da protagonista — uma espécie de erosão íntima, onde o corpo permanece, mas quem o habita começa a sumir.