
Há lugares que parecem afastados do mundo apenas para esconder o que o mundo não pode — ou não quer — nomear. O convento das Freiras Descalças é um desses lugares: isolado, antigo, silencioso demais para inspirar devoção, mas perfeito para guardar segredos que nunca deveriam ver a luz.
Quando dona Bia é chamada às pressas, o estranhamento começa antes mesmo de atravessar o portão. Há um silêncio que não pertence ao sagrado, um frio que não combina com o sertão, um movimento de freiras que mais parece um cortejo de sombras. Tudo ali soa deslocado, como se o convento respirasse um ar próprio — pesado, parado, espesso.
A velha parteira, acostumada a ver o que ninguém vê e a carregar o que ninguém ousa carregar, entra num mundo onde fé e crueldade se misturam em proporções difíceis de decifrar. Cada gesto, cada ordem dita em voz baixa, cada olhar evitado pelas freiras deixa à mostra uma estrutura feita para ocultar, não para proteger.
E, no centro de tudo, há um segredo — antigo, terrível, guardado com devoção mórbida. Algo que o tempo tentou enterrar junto com o convento em ruínas, mas que permanece vivo no único lugar que não ruiu: o poço.
Porque certas vozes, por mais que afundem, continuam subindo pela água.
E, nas noites mais frias, quem passa por ali jura ouvir chamados que não deveriam existir.