
Neste conto, a narrativa abandona o sertão, seus silêncios rachados e suas sombras familiares, e mergulha num território completamente distinto — mas igualmente assombrado. A mudança de cenário não suaviza o horror: apenas o troca de roupa. Em vez de caatinga e ruas de barro, entram em cena os corredores de Paris pós-guerra, os salões dourados, as máscaras de porcelana, o perfume de luxo que tenta esconder algo podre por baixo.
A atmosfera é outra, mas o mecanismo do medo é o mesmo: aquilo que se esconde onde não deveria, aquilo que a sociedade varre para baixo dos tapetes mais caros. Aqui, o terror não nasce de assombrações, mas de homens impecavelmente vestidos, que transformam o mal em ritual. Cada sala desse clube proibido parece construída para negar a luz — não a luz elétrica, mas a luz da consciência.
O conto segue, assim, outro tipo de fantasma: o fantasma da crueldade humana quando ninguém está olhando. Um subterrâneo que lateja sob o brilho dos Champs-Elysées, como se a beleza da cidade servisse apenas de cortina para algo monstruoso demais para ser visto.
E, ainda assim, tudo é contado de modo que o leitor sinta que não conhece o quadro completo. Há sempre mais portas do que janelas, mais segredos do que revelações. As perguntas — quem frequentava, o que realmente houve com Hector, e quantos outros “clubes” ainda respiram por aí — continuam em aberto, não por acaso, mas por coerência: alguns horrores não se revelam de uma vez. Apenas deixam o cheiro.
O ambiente é outro, o idioma é outro, o ritmo é outro — mas a escuridão permanece. Nesse conto, ela apenas veste terno, luvas de couro e máscara de Pierrot.