QUEM AMA CUIDA

Há relatos que não começam com gritos, nem com sangue, nem com violência explícita. Começam com emojis, pequenos favores, coincidências repetidas — e uma voz sempre doce demais, sempre próxima demais, sempre certa de que sabe o que é melhor. Essa é a atmosfera que envolve as mensagens encontradas no celular de Alexandre: uma narrativa construída a partir do afeto distorcido, do zelo sufocante e da fantasia que se confunde com realidade.

O que emerge não é apenas a história de uma obsessão, mas de uma presença que tenta se infiltrar nos mínimos gestos da vítima: horário da padaria, roupa escolhida, viagens, olhares, até mesmo rezas e silêncios. Aos poucos, cada registro vira prova num mundo onde só uma pessoa acredita estar enxergando “o verdadeiro sentido” de tudo.

O tom muda, escurece, recua e avança — carinho, vigilância, fúria, arrependimento — como se o autor das mensagens lutasse para controlar tanto a vítima quanto o próprio delírio. E, quando finalmente declara ter “unido” os dois para sempre, o texto revela mais do que um crime: revela a dissolução completa da fronteira entre amor e posse, realidade e fantasia, vida e aprisionamento.

No fim, os registros não explicam o que aconteceu.
Mas deixam claro que, quando alguém se convence de que amar é vigiar, cercar e decidir pelo outro, a linha entre cuidado e destruição se apaga — e tudo o que resta é o vazio onde a liberdade deveria estar.