
Algumas casas guardam mais passado do que as paredes podem suportar — especialmente quando, ano após ano, elas servem de palco para festas, fogueiras, risos espalhados pela rua e lembranças que se acumulam como poeira sobre móveis antigos. A casa de dona Josefa sempre foi assim: cheia de vida, cheia de gente, cheia de Junho. Talvez por isso tenha demorado tanto para que alguém percebesse que ali dentro havia algo que já não obedecia ao tempo.
Quando a velha senhora começa a “desaparecer”, não é um susto repentino — é um processo sutil, quase doméstico, como se a própria casa estivesse aos poucos retirando dela a matéria e deixando no lugar outra coisa. Um cheiro estranho, um quarto que parece mais escuro do que deveria, um formigamento que não machuca, mas consome. E, sobretudo, uma fotografia antiga, grande demais, viva demais, que parece mudar silenciosamente na parede.
Entre aparições de mofo que não se comporta como mofo, partes do corpo que se apagam como traço borrado e memórias que insistem em permanecer, o narrador se vê diante de um mistério que desafia tanto a razão quanto o afeto. A casa, antes espaço de aconchego e festa, vira cenário de um apagamento que ninguém sabe deter — e que talvez não queira mesmo ser detido.
Porque, em A Última Fotografia, o que está em jogo não é apenas o sumiço de uma mulher, mas a possibilidade de que certas imagens — e certas presenças — tenham vida própria, capaz de devolver ao mundo somente aquilo que desejam preservar.